Introdução do livro ”Jouer contre les Appareils”
Na origem, a quase totalidade dos historiadores e dos críticos dessa mídia, como os filósofos que sobre ela escreveram, contentaram-se com uma definição muito limitada da fotografia, de modo a postular, implicitamente, que ela deveria necessariamente representar o objeto fotográfico e ser obtida exclusivamente por uma técnica negativo/positivo, sem que tais escritores explicitem ou analisem as razões de suas escolhas restritivas. Ora, essa definição, que enquadrou toda a teoria da fotografia, impediu a emergência de uma reflexão sobre uma fotografia que se destacasse desses postulados, uma fotografia experimental.
É verdade que alguns autores [como Jean-Claude Lemagny, Michel Poivert ou James Elkins] estendem seu olhar para além da representação: eles falam de uma fotografia em busca de sua coerência interna, de uma fotografia inquieta consigo mesma ou ainda do prazer do teste e da tentativa, do gosto pela incerteza da forma. Eles constatam que há também imagens que não necessariamente representam alguma coisa, que podem ser consideradas como abstratas, que são, de algum modo, inúteis em uma lógica de representação. E, sobretudo, eles se preocupam com o objeto fotográfico como tal, com sua materialidade antes que com sua representatividade. Para eles, algumas fotografias que não são mais representações segundo as normas estabelecidas, que “vão além da operação de captação para trabalhar a substância, o espaço, o objeto ou a ação” (Poivert 2015: 103-104), podem parecer enigmas ou bizarrices visuais, mas seguem sendo fotografias, resultado da ação da luz sobre uma superfície fotossensível. São, contudo, poucos os que tentam assim explorar novos campos e com isso abordar o que poderia ser a fotografia experimental.
Esta obra nasceu da frustração experimentada em face dessa lacuna: em lugar nenhum a noção de fotografia experimental é definida, ela está ausente dos dicionários e dos índices de livros de história da fotografia, e as pesquisas nas bases de dados especializadas não retornam praticamente nada. Quando ela é vagamente mencionada, ela apenas remete, mais frequentemente, a explicações técnicas, às tentativas e erros do começo da fotografia ou às estranhezas de um ou de outro procedimento. Uma vez que a literatura sobre outras artes experimentais é abundante, esse vazio conceitual e essa lacuna histórica podem surpreender. Identifica-se, com efeito, nos trabalhos de muitos fotógrafos contemporâneos, uma indubitável dimensão experimental, assim como explorações originais e procedimentos à margem de certa ortodoxia fotográfica. Falta, porém, uma explicação, uma definição, uma conceitualização que permitam reunir essas diversas práticas e ter delas uma visão, senão unificada, ao menos coerente.
A literatura teórica sobre a fotografia não permite tampouco formular uma tal definição, pois ela não trata, no mais das vezes, da fotografia senão como representação; pouquíssimos autores se interessam pela fotografia como dispositivo, como conjunto de regras, como ontologia. A obra Filosofia da Caixa Preta, de Vilém Flusser, um autor tão desconhecido [na França] quanto a fotografia experimental, permite conceber um enquadramento comum para os trabalhos de todos esses fotógrafos presumidamente experimentais. (…)
Esta pesquisa tem, assim, por ambição, propor uma definição da fotografia experimental contemporânea e ilustrar essa corrente, situando-a historicamente e analisando, a contar de 1970, os trabalhos de uma centena de fotógrafos, especialmente europeus e norte-americanos (não tendo sido possível, infelizmente, incluir os fotógrafos que vivem no Japão). Ela resultou em uma tese orientada por Michel Poivert, defendida em junho de 2016 na Universidade Paris-1-PanthéonSorbonne, e, depois, neste livro, em que uma reflexão teórica sobre a fotografia converge com o estudo da obra de fotógrafos que atuam contra os aparelhos, com eles ou sem eles, que os manipulam e os contrariam, no qual estão reproduzidas mais de cinquenta obras.
Minha pesquisa se inscreve no contexto de um novo questionamento dos postulados fotográficos estabelecidos. Com efeito, há alguns anos, instituições, museológicas ou educativas, começam a se perguntar sobre a própria definição da fotografia (…). É verdade que essas abordagens permanecem, mais frequentemente que não, confinadas nos limites de uma teoria fotográfica bastante clássica, sem que haja um questionamento demasiadamente radical; elas dão testemunho, todavia, de um intenso interesse por uma definição mais ontológica da fotografia. De onde vem esse interesse? Por que curadores e autores franceses, americanos, mas também italianos, espanhóis, alemães, britânicos, tchecos, questionam a fotografia de modo concomitante, ainda que não necessariamente coordenado? (…)
O fato de que a fotografia experimental contemporânea acompanha o declínio da mídia analógica levanta a questão mais ampla de saber por que e como a obsolescência de uma mídia pode encorajar a transgressão de suas regras históricas: as regras relativas aos programas da mídia antiga (analógica), perdendo sentido e força face ao sucesso da nova mídia (digital), expõem-se então mais facilmente a modificações subversivas. Eu vejo aí uma analogia com a evolução da pintura no fim do século XIX, quando Maurice Denis ousa o seu aforismo: “Se lembrar de que um quadro – antes de ser um cavalo de batalha, uma mulher nua ou uma anedota qualquer – é essencialmente uma superfície plana recoberta de cores dispostas em certa ordem.”
Ao mesmo tempo, a fotografia começa a se difundir mais amplamente e se torna um instrumento ao alcance de todos: a técnica permite reduzir os tempos de exposição e fazer fotografias instantâneas, aparelhos baratos e de fácil utilização são colocados no mercado, e a Kodak inventa o slogan “You press the button, we do the rest” [“Você aperta o botão, nós fazemos o resto”]. A pintura se liberta então, de certo modo, de sua missão histórica de representar fielmente a realidade; ela pode, a partir daí, não mais se consagrar exclusivamente ao tema, mas, ao contrário, explorar livremente a matéria pictórica, a forma, as cores, sem preocupação com a representação e assim evoluir em direção ao impressionismo, ao pontilhismo, ao cubismo, à abstração: “Ao tomar para si a tarefa de retratar de forma realista, tarefa que era até então um monopólio da pintura, a fotografia liberou a pintura para a sua grande vocação modernista — a abstração” (Sontag 2004: 56).
De modo semelhante, o desenvolvimento da fotografia digital, no fim do século XX, libera a fotografia analógica de seu papel de representação do real e lhe permite se reorientar para a matéria fotográfica e, logo, para a sua essência. É verdade que, assim como ainda houve pinturas figurativas após o aparecimento da abstração, há ainda hoje fotografias analógicas que representam os temas de maneira clássica: em um caso como em outro, não se trata de uma ruptura absoluta e radical, mas de uma evolução de fundo.
Poivert Michel (2015): Petite Histoire de la Photographie, Paris, Hazan.
Sontag Susan (2008): Sur la photographie, Paris, Christian Bourgois [édition originale en 1977, trad. Philippe Blanchard]
Traduzido por Eduardo Henrik Aubert