La revue brésilienne de photographie Studium, éditée par le Professeur Fernando de Tacca de l’université UniCamp (à Campinas, SP, Brésil), fêtant son vingtième anniversaire, a invité divers auteurs (dont Philippe Dubois, Rosângela Renno’ et moi-même) à parler d’un livre de photographie ou sur la photographie qui leur soit particulièrement cher.
J’ai choisi le livre « Expired Paper » de la photographe (expérimentale) nord-américaine Allison Rossiter. Comme j’ai écrit directement en portugais (avec aide et corrections, bien sûr, mais j’en suis assez fier), il n’y a pas de version en français ou en anglais, désolé pour les non-lusophones (seulement un abstract en anglais en tête de l’essai).

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Le sommaire de ce numéro de la revue :
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Abstract:

The book Expired Paper presents the work of the North American artist Alison Rossiter. She works exclusively with photographic paper whose preemption date has expired many years ago (sometimes since more than a century). Without “taking a picture”, working only in the darkroom, she pours revelator and fixer products on the paper, or dips it into their tanks : in this manner, she lets forms emerge from the paper. These latent forms are created only by the degradation of the silver salts, by the effect of time and humidity on the texture, or by the accidental intrusion of light in the paper box. Some of the images show archeological traces of past manipulations (like the inadvertent fingerprints of a careless handler), others seem romantic landscapes, others are pure geometric forms, some, held in her own hand, are tarnished like stained mirrors. Her experimental work goes against the mainstream theories of photography: she makes photographs of photography, and nothing more than that.

      


Expired Paper (Papel expirado), de Alison Rossiter

Marc Lenot [1]

Resumo / Abstract

O livro Expired Paper apresenta a obra da artista norte-americana Alison Rossiter. Desde muitos anos ela trabalha só com papel fotográfico expirado – muitos dos quais expirados há mais de um século. Não tira uma fotografia, trabalha apenas na câmara obscura, colocando o papel no tanque de revelação, no banho fixador e nada mais, ou derramando estes produtos sobre o papel. Desta maneira, formas aparecem no papel, formas latentes criadas pela degradação temporal dos sais argênticos e da gelatina, pela umidade ambiente e pela luz que entra dentro do pacote não totalmente hermético. Algumas imagens são arqueológicas traças do passado (como as impressões digitais de um operador negligente), outras parecem ser paisagens desfocadas e românticas, algumas são formas puramente geométricas, outras, seguradas pela mão da fotógrafa, estão embaçadas como antigos espelhos. Sua obra experimental é contrária à visão tradicional da fotografia: ela faz fotografias da fotografia própria, imagens do nada, e nada mais.

O objetivo era escolher um livro de fotografia na minha biblioteca para escrever uma resenha. Mas qual livro escolher? Um clássico de um fotógrafo bem conhecido? Ou um outro que pudesse ser uma descoberta para o leitor da Revista Studium? Um livro de fotografias ou um livro sobre a fotografia? Ou uma obra cujo conteúdo agregasse ambas as coisas, mostrasse fotografias e questionasse a ideia própria da fotografia? Ou ainda uma obra que tenha alguma ligação com o Brasil, mesmo que distante? Na verdade, não hesitei, e a escolha foi bastante célere.

Trata-se de um livro em grande formato, 27 cm x 32 cm, pesado, com quase 2 kg e com duzentas páginas. Sem cores estridentes, um livro relativamente austero, em preto e branco, e com vários matizes em cinzento. Na capa de cobertura encontra-se um desenho geométrico, abstrato, com linhas direitas e oblíquas, com triângulos brancos, pretos e castanhos. O título e o autor são estampados em pequenas letras pretas: Expired Paper, Alison Rossiter. [2][Imagem 1]

Imagem 1
Capa do Livro

Alison Rossiter [3] [Imagem 2], uma norte-americana de 65 anos, é uma fotógrafa. Mas ela não usa uma máquina fotográfica, não usa uma lente, não faz imagens de paisagem ou retratos. Ela não considera a fotografia como uma representação do mundo e não se submete às regras do aparelho fotográfico. Desde a idade de dezessete anos, optou por trabalhar dentro da câmara obscura, como narra no fim do livro, em seu texto “The Darkroom”. Durante anos, seu trabalho foi sobre a interação entre a luz e o papel fotossensível, a exemplo dos desenhos com lápis luminoso ou dos fotogramas. No entanto, com o crescente predomínio da fotografia digital, tornou-se cada dia mais difícil encontrarem-se papéis adequados para a realização do seu trabalho. Dessa forma, Alison Rossiter passou a adquirir lotes de papel fotossensível comprando-os no site e-bay.

Imagem 2
Retrato de Alison Rossiter, foto copyright Michelle Kloehn

Em 2007, numa dessas aquisições, ela recebeu um pacote de papel com data de expiração referente ao ano de 1946. Qualquer fotógrafo “normal” teria jogado o pacote no lixo. Mais curiosa e mais ousada que a média, Alison Rossiter decidiu experimentar com esse papel presumidamente “morto”. Entretanto, em vez de “fazer uma foto”, quer dizer, imprimir a imagem de um negativo sobre esse papel, ela colocou imediatamente o papel no tanque de revelação, no banho fixador e nada mais. Dessa primeira experiência, formas abstratas, em desenhos geométricos no papel revelado, foram produzidas como resultado final, a partir da degradação temporal dos sais argênticos e da gelatina, da umidade ambiente e da luz que entrou dentro do pacote não totalmente hermético. 

Alison Rossiter viu, a partir dessa fascinante descoberta, novas possibilidades criativas e passou a comprar centenas de pacotes de papel fotossensível preto e branco de várias marcas, notando que o mais antigo possuía como data de expiração o ano de 1900! Na realidade, ela passou a seguir um protocolo preciso dentro da câmara obscura, sem jamais “tirar uma foto”, especificando sempre os detalhes da operação, de maneira científica. E, como tal, com resultados sempre imprevisíveis. Provavelmente, a razão para tal audácia encontra-se na sua formação, muito mais técnica que artística, pautada por uma atenção mais acentuada em relação à materialidade da fotografia e ao próprio material fotográfico. 

No livro Expired Paper o seu trabalho encontra-se apresentado em seis capítulos, cada um com cerca de sete a dezessete obras reproduzidas, totalizando 67 obras e noventa imagens. Quase todas as fotografias estão impressas diretamente na página do livro, mas algumas (especialmente a série “Pools”) são verdadeiras folhas contracoladas numa página, sendo necessário desdobrá-las para serem vistas, como se fossem quadros separados, uma obra própria. O título de cada obra reproduzido ao longo do livro é construído no mesmo padrão: a marca e o tipo do papel (“Agfa Brovira Royal White”, por exemplo), a data de expiração (março de 1940) e o ano de tratamento (2013) [Imagem 3]. As dimensões das obras variam de 7 cm x 4.5 cm até 61 cm x 51 cm (são dadas em inches). É importante lembrar que muitas estão reproduzidas em tamanho real.

Imagem 3
Agfa Brovira Royal White, expired March 1940,
processed 2013, página 47 do livro, 17.8 x 15.9 cm

O primeiro capítulo, com dezessete obras, chama-se “Latent” (Latente). A imagem latente é a imagem existente, mas que ainda não foi revelada. Trata-se de um conceito essencial da fotografia, e tem sido bastante trabalhada por vários artistas, a exemplo de Khalil Joreige e Joana Hadjithomas com a série “Images LatentesWonderBeirut 3”. [4] Para Alison Rossiter, as imagens latentes são imagens de nada, sem relação com o mundo real, mas que se encontram adormecidas dentro da matéria fotográfica. O crítico canadense Robert Enright [5] comparou essa perspectiva com o trabalho do escultor Rodin, por este fazer surgir uma forma latente a partir de um bloco de mármore bruto, salientando que Rossiter ajudava, da mesma maneira, o papel a encontrar o seu destino. Essa série “Latent” mostra os traços da luz, da umidade sobre o papel e as formas que ainda exibem. Em uma dessas obras aparecem as impressões digitais de um operador negligente que tocou o papel sem luvas e, posteriormente, voltou a arrumá-lo dentro do pacote (“Eastman Kodak Kodabrom F2, expired March 1940, processed 2014”) [Imagem 4]. A partir desse pequeno detalhe, Rossiter estabelece uma ligação com esse operador anônimo através dos anos. Outro exemplo é um díptico de duas folhas de papel cujas emulsões foram coladas pela umidade dentro do próprio pacote. Ao invés de interferir, separando-as, a artista deixa tal e qual quando as processa, tirando partido do incidente (“Eastman Kodak Velox VF (Australia), exact expiration date unknown, processed 2013”) [Imagem 5].

Imagem 4
Eastman Kodak Kodabrom F2, expired March 1940,
processed 2014, 25.4×20.3cm, página 53;
pormenor com impressões digitais

Imagem 5
Eastman Kodak Velox VF (Australia),
exact expiration date unknown, ca. 1940s,
processed 2013, tamanho irregular, 8.9x7cm, p. 55

O segundo capítulo, intitulado “Tarnish” (Embaçar), possui sete pequenas imagens desdouradas, deslustradas, manchadas, todas aparecem seguradas pela mão da fotógrafa, como se fosse o precioso retrato de um filho (“Defender Disco, expired October 1911, processed 2016”) [Imagem 6]. Outra abordagem aqui aparece, pois, ao encontrar uma folha de papel completamente oxidada dentro do pacote, idêntica a um espelho, Rossiter a expõe à luz, sem fixador, sem qualquer ação. Dessa forma, o papel embacia e escurece progressivamente, numa lenta agonia dos sais de prata, até o escuro fim (“Imperial Self Toning Paper, exact expiration date unknown, ca. 1910s, unprocessed, fragment”, a única do livro) [Imagem 7].

Imagem 6
Defender Disco, expired October 1911,
processed 2016, 7×4.4cm, página 59

Imagem 7
Imperial Self Toning Paper, exact expiration date
unknown, ca. 1910s, unprocessed, fragmento,
7×6.3cm, página 66

O terceiro capítulo, “Landscapes” (Paisagens), com quinze obras, apresenta as imagens mais emblemáticas de Alison Rossiter. Algumas são paisagens geométricas, com linhas direitas, frutos da imersão do papel dentro dos tanques (“Darko India Tint, exact expiration date unknown, ca. 1920s, processed 2014” [Imagem 8]); outras têm um aspecto celeste com pequenas manchas brancas, semelhantes a estrelas (“Defender Argo, expired September 1911, processed 2014” [Imagem 9]; enquanto algumas foram molhadas, tornando-se análogas a aquarelas, resultando em paisagens desfocadas como se fossem uma visão romântica de um lago ou de uma floresta (“Eastman Kodak Velvet Velox, expired December 1923, processed 2014” [Imagem 10].

Imagem 8
Darko India Tint, exact expiration date unknown,
ca. 1920s, processed 2014, página 91

Imagem 9
Defender Argo, expired September 1911,
processed 2014, 12.7×17.8cm, página 81

Imagem 10
Eastman Kodak Velvet Velox, expired December 1923,
processed 2014, 12.7×17.8cm, página 95

O quarto capítulo, “Pools” (Piscinas), é composto por imagens mais simples, manchas pretas sobre fundos claros e todas as sete obras estão contracoladas (“Eastman Kodak Vitava Opal G, expired 1948, processed 2013” [Imagem 11]. O quinto capítulo, “Dips + Pours”, (Mergulhos + derramamentos), também possui sete obras. Neste a artista desenvolve duas técnicas diversas, em uma delas o revelador e/ou o fixador são derramados sobre o papel (“Eastman Kodak Royal Bromide, expired March 1919, processed 2010” [Imagem 12]; em outro, o papel é mergulhado verticalmente dentro dos tanques de produtos. As formas colunárias evocam telas abstratas, como as de Morris Louis, por exemplo.

Imagem 11
Eastman Kodak Vitava Opal G, expired 1948,
processed 2013, 2 vezes 35.6×27.9cm, página 119

Imagem 12
Eastman Kodak Royal Bromide, expired March 1919,
processed 2010, 27.9×35.6cm, página 131

O último capítulo, “Quads”, com a raiz “Quatro”, talvez com o sentido de quadrigêmeo, compreende catorze obras, que são assemblagens de quatro folhas de papel fotográfico, com desenhos geométricos simples. Essa composição dá uma impressão de volume e uma sensação de tridimensionalidade (“Defender Argo, expired December 1913, processed 2016” [Imagem 13]. Das catorze obras apenas uma imagem é contracolada, dobrada em quatro com a dimensão de 56 cm x 45 cm (90% da obra original).

Imagem 13
Defender Argo, expired December 1913,
processed 2016, 4 vezes 12.7×10.2cm, página 141

Importa registrar que, no fim do livro, há um caderno com oito reproduções de pacotes de papel fotográfico, com os logos e os slogans das marcas [Imagem 14]. Encontrar-se-á aí o único elemento bem colorido, após as várias páginas com as tonalidades surdas e discretas das imagens do livro.

Imagem 14
Pacotes de papel fotográfico. Todas imagens
(exceto n°2) copyright Alison Rossiter.
Todas imagens courtesy Alison Rossiter e
Yossi Milo Gallery, New York

Além da descrição acima referida de Alison Rossiter sobre a câmara obscura, encontra-se no início do livro um texto poético da crítica Leah Ollman, [6] intitulado “Between what is and what else”, que descreve de modo sentimental e subjetivo o processo de trabalho da artista, com aliterações intraduzíveis (“Echo. Elapse Emerge Endure. Expire. Exhume. Elegy Event. Exhaust. Evidence. Extinct”).

À primeira vista, o trabalho de Alison Rossiter parece ser mágico, espécie de obra alquímica. É uma transformação da matéria, a aparição de uma imagem dentro dos elementos de um papel químico sem qualquer relação com a realidade visual, com a representação do mundo. Faz pensar as obras de outros fotógrafos “mágicos”, como o belga Pierre Cordier e seus “quimigramas” [7] ou o italiano Nino Migliori e suas “oxidações”. [8] Mas a obra de Rossiter pode ser vista, igualmente, como um trabalho arqueológico, no qual é possível encontrar os vestígios do passado, ressuscitar a história submersa, fazer um trabalho forense sobre a história do papel, estabelecendo uma comunhão com os sujeitos históricos que o manipularam há cinquenta anos, deixando nele suas impressões.

Nesse sentido é, antes de mais, um trabalho sobre o tempo e sobre a morte. Ora, no título de cada obra, a primeira data é especificamente a da morte do papel, sendo a segunda a da sua ressurreição, do momento no qual a artista vai dar nova vida ao papel expirado. Mas, ao mesmo tempo, colocar o papel dentro do revelador e fixador é uma interrupção do processo de escurecimento dos halogenetos de prata, uma forma de morte súbita. Não se trata de um trabalho anacrônico, ele é um trabalho contra o tempo, contra a inevitável degradação, do papel e do homem, logo, contra a morte. Por isso mesmo, não é estranho que uma exposição da Rossiter tenha se chamado “Lament [9](Lamentação). Na realidade, algumas de suas fotografias assemelham-se a lápides, a exemplo das da série “Dips + Pours”.

Seu trabalho é, de igual maneira, uma reflexão sobre a morte da fotografia, pois, para fotógrafos como Alison Rossiter, o advento da fotografia digital representa a morte da fotografia clássica, analógica, da fotografia do negativo e da câmara obscura, da fotografia dos sais argênticos e da química. Para eles, a fotografia digital não é mais uma interação da luz com os parâmetros do papel sensitivo, mas se tornou em um processo eletrônico, sem aura, sem magia. Em 2008 o seu galerista de Toronto, Stephen Bulger, publicou um pequeno livro sobre obras de três fotógrafos, Robert Burley, Michel Campeau e Alison Rossiter, com o título The Death of Photography (A morte da fotografia). No ensaio de apresentação, Darius Himes – que é também um fundador da Radius Books, a casa editorial que publicou Expired Paper –conclui o texto frisando: “Talvez a fotografia que nós temos conhecido vai voltar ao seu início: um talento raro, mágico, praticado por um grupo de homens e mulheres dedicados, que vacilam num espaço incerto entre artes e ciências”. [10]

Muitos desses fotógrafos, que tentam lutar contra a morte da fotografia analógica, recorrem à experimentação de processos antigos, seja daguerreótipos, seja cianotipias, platinotipias, entre outros. Mas a diferença de artistas como Alison Rossiter é que, para ela, o processo é mais importante que o sujeito da fotografia, o que conta não é o que a fotografia mostra, mas como a fotografia é produzida. E, no caso extremo das fotografias de Alison Rossiter, a fotografia não mostra nada, é uma imagem do nada. Como escreve a crítica Nancy Tousley, uma imagem de Rossiter é só um testemunho material, físico da criação dela, não é uma fotografia de uma coisa, é uma coisa própria. [11] Essa abordagem é contrária a quase toda a teoria da fotografia, pois nega a teoria do índex de Rosalind Krauss [12] e de Philippe Dubois, [13] como nada tem a ver com a visão da fotografia de Roland Barthes. [14] Diferente desses três autores fundamentais para a teoria contemporânea da fotografia, a obra de Alison Rossiter confronta-se não com a representação do mundo, mas com a essência da fotografia, com a sua imanência material.

Não surpreende, assim, que a maioria das referências artísticas de Rossiter não seja a de fotógrafos, mas a de pintores abstratos. Ela própria, em várias entrevistas, fez menção a Jackson Pollock, Mark Rothko, Tony Smith, Morris Louis, Ellsworth Kelly, Barnett Newman, Robert Motherwell, Charles Gagnon; como igualmente referiu alguns fotógrafos experimentais, a exemplo de Liz Deschenes, Marco Breuer, James Welling, Walead Beshty, Matthew Brandt. É possível localizar o trabalho de Rossiter, assim como os desses fotógrafos, na detalhada classificação da fotografia abstrata realizada pelo filósofo Diarmuid Costello, [15]como pertencentes às categorias de “abstração construída” ou “abstração concreta”, definidas pela construção de uma imagem programática a partir do zero.

Funcionando sem máquina, sem aparato, a obra de Rossiter é obviamente contrária à visão tecnológica da fotografia. Mas ela é, de igual maneira, contrária a uma visão autoral. Afinal, as suas imagens são autônomas, fazem-se por si próprias, e a intervenção humana é limitada, sujeita à sorte, ao acaso. Como em Marcel Duchamp e no fotógrafo Franco Vaccari, é também uma morte do autor. Foi possivelmente para atenuar esse destino fatídico que, na série “Tarnish”, as mãos de Rossiter aparecem visíveis a segurar e a mostrar a fotografia.

Conforme dito acima, as teorias usuais acerca da fotografia não ajudam a compreender o trabalho de artistas como Alison Rossiter. A meu ver, o único filósofo ou teórico que propôs uma abordagem pertinente para trabalhos dessa natureza foi o brasileiro (de origem tcheca) Vilém Flusser, com o seu livro Filosofia da caixa preta. [16] Ele definiu a fotografia como um aparelho com programas predefinidos que todos os fotógrafos devem respeitar. Assim, todas as fotografias, feitas ou futuras, são já definidas dentro do aparelho fotográfico (que é só uma parte do aparelho sociopolítico da sociedade), elas são não informativas. Mas na última página do seu livro, Flusser ofereceu, todavia, uma pequena porta de saída, assinalando: “Há, porém, uma exceção: os fotógrafos assim chamados experimentais […] Tentam, conscientemente, obrigar o aparelho a produzir imagem informativa que não está em seu programa. Sabem que sua práxis é estratégia dirigida contra o aparelho”. E a conclusão de seu livro é: “Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade. Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível”. Alison Rossiter é, na minha perspectiva, exatamente uma combatente desta revolução.

Observação: Este artigo é parcialmente baseado sobre a minha conversa com Alison Rossiter, em Arles, no dia 3 de julho de 2013 (vejam-se notas da entrevista em: http://photographie-experimentale.com/alison-rossiter-mon-entretien/). Vejam-se, também, as páginas 161-163 do meu livro Jouer contre les Appareils. De la photographie expérimentale. Arles: Photosynthèses, 2017. Agradeço à Alison Rossiter e à Lêda Oliveira.

Referências Bibliográficas

[1]Marc Lenot defendeu sua tese de doutorado sobre fotografia experimental (Université Paris 1 Sorbonne/2016) sob orientação de Michel Poivert. Autor do livro Jouer contre les Appareils: De la Photographie expérimentale (Arles: Editions Photosynthèses, 2017). Escreveu vários ensaios sobre o fotógrafo checo Miroslav Tichý. Em 2014 recebeu o prêmio de crítica da seção francesa da Aica (Association Internationale des Critiques d’Art). É autor do blog Lunettes Rouges sobre arte contemporânea publicado no site do jornal  Le Monde (http://lunettesrouges.blog.lemonde.fr/). Vive entre as cidades de Paris e Lisboa.

[2]ROSSITER, Alison. Alison Rossiter: Expired Paper. Santa Fe: Radius, 2017. Disponível em:https://radiusbooks.org/books/alison-rossiter-expired-paper/.

[3]site da artista: https://alisonrossiter.com/, e os sites das suas galerias: https://www.yossimilo.com/artists/alison-rossiter/works em Nova York, https://www.bulgergallery.com/artists/33-alison-rossiter/overview/ em Toronto,  http://art45.ca/artistes/rossiter/ em Montréal, e http://www.trepanierbaer.com/artist/alison-rossiter/ em Calgary.

[4]Para uma descrição dessa obra, veja-se o site https://heloisecolrat.com/l-ile/joreige.html.

[5]ENRIGHT, Robert. “Paper Wait. The Darkroom Alchemy of Alison Rossiter”. In: Border Crossings, vol. 3, n. 3, pp. 68-79, September/October/November 2011. Disponível em: http://www.trepanierbaer.com/legacy/uploads/newsreleases/news362.pdf.

[6]Veja-se o site dela https://www.leahollman.com/.

[7]Veja-se o site dele http://www.pierrecordier.com/.

[8]Veja-se o site da sua fundação: http://fondazioneninomigliori.org/it/ossidazioni/.

[9]Veja-se https://thekentishstourproject.weebly.com/research1/alison-rossiter-lament.

[10]HIMES, Darius. “Introduction”. In: The Death of Photography: Robert Burley, Michel Campeau, Alison Rossiter. Toronto: Bulger Gallery Press, 2008, p. 7. Disponível no site de Robert Burley: http://robertburley.com/publications/death-of-photography/.

[11]TOUSLEY, Nancy. “Darkroom Legacy”. Canadian Art, pp. 96-100, Spring 2011. Disponível emhttps://canadianart.ca/features/alison_rossiter/.

[12]KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. São Paulo: G. Gili, [1990] 2014. Disponível em: https://ggili.com/media/catalog/product/uploader/f897239f66bb54a0dfcaba9f72ba0d3b.pdf.

[13]DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, [1990] 1993.  Disponível em: https://cteme.files.wordpress.com/2011/03/dubois-philippe-o-ato-fotogrc3a1fico-e-outros-ensaios-2.pdf.

[14]BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [1980] 1984. Disponível em: https://monoskop.org/images/d/d3/Barthes_Roland_A_camara_clara_Nota_sobre_a_fotografia.pdf.

[15]COSTELLO, Diarmuid. “What is Abstraction in Photography?”. British Journal of Aesthetics, vol. 58, issue 4, pp. 385-400, October 2018. Disponível em: https://academic.oup.com/bjaesthetics/issue/58/4 .

[16]FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: ĖRealizações, [1985] 2018. Disponível em: http://www.iphi.org.br/sites/filosofia_brasil/Vil%C3%A9m_Flusser_-_Filosofia_da_Caixa_Preta.pdf